Colégios Vicentinos

Sofia Rosa Marchi – NARRATIVA DE FICÇÃO CIENTÍFICA

Produto

Eu não acreditava no acabara de ler. O documento à minha frente basicamente confirmava o que sempre suspeitei, que eu não era normal. Sei que meus pais sempre me amaram, mas eu me sentia um mero produto encomendado sob medida para suprir a necessidade deles de cuidar de uma criança.
“A Children Company, por meio deste, informa o sucesso no desenvolvimento e entrega da criança: Ben Willian Anthony Tomlinson. Agradecemos a confiança!”
Como poderia saber que uma simples faxina no porão poderia me fazer repensar minha existência, sentir ódio de meus pais e desejar nunca ter sido criado.
Estava me sentindo um pedaço de lixo. Precisava confrontar meus pais e perguntar a eles por que fizeram isso comigo. Subi correndo as escadas segurando as lágrimas de tristeza e a raiva, então gritei:
-Por que fizeram isso comigo? Por que nunca me contaram? Por que me quiseram? Por quê?
– Acalme-se, filho! O que houve?
Não sabia como contar a eles. Não sabia como dizer que, mesmo sabendo que ficariam chateados, preferiria nunca ter sido “desenvolvido e entregue”. Reuni minhas forças e comecei a falar:
– Eu já sei de tudo. Sei que não sou filho de vocês, eu não sou filho de ninguém, não sou filho de nada. Eu li aquele documento da Children Company. Tudo o que posso achar de vocês agora é que são os maiores egoístas que já conheci.
Eles se entreolharam e pude perceber que achavam que haviam me perdido para sempre, e eu também achava isso. Estava perdido. Sentia-me culpado por fazer isso com eles, mas sabia que estava certo. Eles eram uns egoístas, toda a minha “família” era. Tudo que sentia era ódio. Eu não passava de um boneco, um objeto de posse. Fui comprado, feito por uma máquina.
Foi aí que eu me dei conta. Eu não fui feito pela natureza, portanto a ela não pertencia. Não devia nada a ela nem a ninguém. Então, poderia aliviar minha angústia.
Saí de casa correndo e agora ando por aí em busca de outras “crianças” como eu, crianças que se odeiam e odeiam ainda mais aqueles que as criaram. Planejo montar um exército para dominar a todos e fazê-los se arrepender de ter nos criado, de ser tão egoístas, sujos e desprezíveis a ponto de achar que foi correto fazer o que fizeram.

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